Minha mãe nunca deixou que eu desaprendesse a ver
Essa
frase pode soar estranha, mas é assim que funciona: nascemos sabendo ver. A
criança enxerga muito mais e muito além do que nós, adultos xaropes. Ela está
chorando desesperadamente e então passa uma borboleta. Na hora ela troca a
lágrima pelo riso. Tudo espanta a criança porque ela vê o tempo inteiro.
Os anos
passam e, homeopaticamente, desaprendemos a ver, principalmente através da
educação silenciosa que recebemos dos adultos que nos rodeiam e que não veem
também. Eles, afinal, não prestam atenção na borboleta. Eles não se importam se
aquela nuvem parece um balão. Eles se irritam com o canto dos passarinhos. Eles
não se espantam com coisa alguma porque não enxergam mais.
E
“eles”, meus caros, somos nós, no caso.
E é aqui
que entra dona Eliane, a minha mãe, que nunca deixou que eu desaprendesse a ver.
Porque ela nunca deixou de ver. Ela via e me mostrava, como ainda faz. O pôr do
sol. O passarinho cantando no fio de luz. O arco-íris depois da chuva – e a
própria chuva. A fruta madura no pé. Os raios do sol cintilando na poça de
água. A florzinha que nasceu na rachadura do muro. Não parece o desenho de uma
menina lá na Lua?
Olha
que bonito, Jana!
Parece
bobagem porque vivemos em uma sociedade cansada, vendada e caduca, que olha o
tempo inteiro pro relógio e nunca pro céu. De valores subvertidos e principalmente
idiotas. Cortamos árvores porque sujam a calçada. Preservamos o concreto e não o
ar.
Infelizmente,
ao desaprendermos a ver, sem querer ensinamos outros a fazer o mesmo e neste
ciclo vamos criando gerações de cegos apaixonados por calçadas, relógios e
concreto.
Tudo
isso só para dizer: muito obrigada, mãe.
Obrigada
por nunca desaprender a ver e, desde sempre, me ensinar a ver também. Porque
até hoje, já adulta, quando o peito aperta e minha vontade é chorar feito um
bebê desmamado, se por acaso passar uma borboleta, eu troco a lágrima pelo riso
na hora. E eu não sei e nem posso medir o quanto isso me ajuda a seguir.
Hoje é
teu aniversário, minha amiga, meu amor, e eu só posso desejar que você continue
vendo e ensinando em silêncio a ver.
Te amo,
mas isso é óbvio.