A supercilada
Eu
seguia nas redes sociais uma escritora cujos escritos me agradam. Mas eu parei
de segui-la. Não porque seus escritos deixaram de me agradar, mas porque notei
que, sempre que recebia suas atualizações, em seguida costumava me sentir mal.
Logo percebi um padrão e me liguei: a mina é uma supermina.
Saca
só. Ela escreve, bebe com moderação, engaja-se em causas sociais, curte muito com
os muitos amigos de fé, dá aulas, viaja, tira belas selfies cotidianas, tem uma
vida sexual plena e animada, organiza eventos, lê vários livros por semana, faz
exercícios diariamente, sua família é querida e feliz e todos se amam, seus
dias são produtivos e eficientes.
Pelo
menos é o que está lá, nas suas postagens.
Alerta
de cilada, Bino!
A
partir daí fiquei pensando: será que você, que vê ou acompanha meu perfil no
Facebook ou no Instagram, sente-se mal depois de passar por aqui?
Espero
e confio que não, mas mesmo assim resolvi escrever este post.
Só para
dizer que, se por acaso você pensa que eu sou fod@, produtiva, engajada e
eficiente, você está redondamente, totalmente, retumbantemente e
categoricamente enganado.
Veja
bem, eu fumo. Tento fazer exercícios semanalmente, mas é comum que fracasse em
meu intento. Não tiro férias há alguns anos. E quando tiro, não viajo, porque
estou exausta e viajar me cansaria mais. Milhares de vezes sento para escrever
e empaco. Com a minha família, me dou com meia dúzia. O resto, ou não tenho
contato ou não gosto. Tenho poucos, muito poucos amigos de fé. Aposto que ganho
infinitamente menos do que você imagina. Eu tiro 50 selfies antes de postar
uma. Tenho gavetas e um guarda-roupa para arrumar e só me enrolo. Não me
alimento exatamente bem. Bebo mais e leio menos do que deveria. Como trabalho
em casa, passo a maior parte do tempo de chinelo, meia e o cabelo preso num
coque sem pentear. Não dou atenção suficiente para os meus cachorros e me culpo.
Minha vida sexual é absolutamente normal, zero performática e pirotécnica e
selvagem. Têm dias que não rendem e eu tenho preguiça até de ir ao banheiro. Faço
listas de tarefas que não cumpro e depois as refaço e novamente não faço o que
devia ter feito no prazo que estabeleci. Frequentemente me pego olhando para o
horizonte e me perguntando “estarei vivendo ou só passando raiva?”.
Ou seja:
eu sou humana sem prefixos. 100% gente, 100% normal, 100% comum e mortal e mundana.
Tipo você. Tipo todo mundo.
Já
falamos pra caramba sobre como as redes sociais elevaram a outro nível a ilusão
de que a grama do vizinho é mais verde. Quase todo mundo concorda que, o que
vemos aqui, é enganação pura.
Mas nós
já nos questionamos o quanto nós mesmos alimentamos essas mentiras (sim, porque
é isso o que são: mentiras) em nossos próprios perfis?
Eu não acho
que a intenção dessa escritora que eu seguia, e parei de seguir, é posar de supermina.
Contudo, não podemos negar a influência do meio em nossa tomada de decisões e,
muitas vezes, até inconscientemente, alimentamos o monstro que supostamente
tentamos combater.
Duvide
de tudo o que você ver na rede social. Não só as notícias obviamente fakes, mas
as vidas fakes. O que você vê aqui NÃO CORRESPONDE À REALIDADE: é ângulo, é
filtro, é falso, é recorte, é versão. Ouro de tolo.
E, mais
do que isso, tentemos não ser aquele que faz com que os outros, cegos pelas
telas do computador e do celular, sintam-se mal, achando que somos uma grande
coisa que, definitivamente, não somos, nunca fomos e jamais poderemos ser.
O que, a
meu ver, é bom.
Porque, se o prefixo “super” é ruim para quem vê de longe, pensa para quem carrega nas costas?