Entrevista para a Biblioteca Guilherme Schultz Filho
Recentemente concedi uma
entrevista bem bacana para a página da Biblioteca Guilherme Schultz Filho, aqui
de Carazinho, da qual eu gostei muito.
Falo sobre literatura, a
minha e a dos outros, e também sobre o curioso caso dos patriotas brasileiros
que odeiam o Brasil (onde vivem? do que se alimentam? como se reproduzem?), além
do descaso retumbante dos sucessivos governos de Carazinho em relação à arte, à
cultura e à literatura.
Naturalmente a
entrevista não foi publicada na íntegra, haha.
Mas aqui você confere cada linha, sem cortes!
Saca só:
CONTE-NOS
UM POUCO SOBRE A TUA INFÂNCIA... UMA ÁVIDA LEITORA? JÁ GOSTAVA DE ESCREVER?
TEUS PAIS TE INCENTIVARAM A LEITURA?
Sim, sempre gostei de ler e escrever, pois
nasci e cresci em uma casa cheia de livros. Minha mãe, Eliane Becker, é uma
leitora compulsiva e tem até hoje estantes e mais estantes de livros, de todos
os gêneros e tipos, de Machado de Assis a Charles Bukowski, de Cassandra Rios
até Dalton Trevisan. De modo que, quando disse que queria ser escritora,
ninguém ficou surpreso, hehe.
Recebi todo apoio dos meus pais para
escrever e isso foi fundamental. Conheço muitos autores que enfrentam
verdadeiras batalhas com suas famílias, que não consideram o trabalho de
escritor um trabalho. Para minha sorte, não foi o meu caso. Obrigada, mãe e pai
e família!
QUANDO
PUBLICASTE O TEU PRIMEIRO LIVRO? QUAL A EMOÇÃO EM PUBLICAR UM LIVRO? COMO TEUS
FAMILIARES E AMIGOS ACOLHERAM ESTA IDEIA?
Em 2008 publiquei pela primeira vez uma
poesia em uma coletânea, chamada “Vide-Verso”, da Andross Editora, junto com
outros autores, e foi realmente especial. Meu primeiro livro, “Uma Carta por
Benjamin”, saiu em 2009 pela Editora Multifoco e eu nunca vou esquecer quando
os exemplares chegaram aqui em casa, em uma manhã de sábado. Foi, de fato, um
momento único e lindo.
Meus familiares, meu marido e meus amigos
foram muito queridos e me apoiaram totalmente. Lancei este primeiro livro em
Carazinho (onde nasci), em Não-Me-Toque (onde morei por quase 15 anos) e em
Passo Fundo (onde vivia em 2009), e nas três cidades os lançamentos foram muito
bacanas – o que não seria possível sem o apoio da galera. Obrigada, galera!
COMO É SER
ESCRITORA EM NOSSO PAÍS HOJE?
Terrível, mais terrível do que nunca. O
Brasil não gosta de ler, não valoriza seus artistas e possui um complexo de
vira-latas que seria ridículo, se não fosse deprimente. Fala-se muito em
patriotismo, especialmente nos últimos anos, mas a maioria destes “patriotas”
odeia o Brasil, odeia nossa música, nossos escritores, nosso cinema, nossa
arte, nossos artistas, nosso povo, nossa cultura. Mas se enxergam uma bandeira
dos Estados Unidos, se arrepiam da cabeça aos pés. É triste e patético o quanto
somos uma nação de mentalidade colonizada.
Ademais, nos últimos anos, além do descaso
habitual, escritores e artistas em geral passaram a ser considerados inimigos
públicos, sofrendo agressões das mais variadas. Eu escrevo há muito tempo e
nunca recebi tantos ataques como nos últimos dois ou três anos. Falando com
amigos escritores e artistas, todos relatam a mesma situação bizarra.
O lado bom é que, ao invés de nos calar,
este tipo de violência parece injetar combustível em nossas veias. Toda vez que
alguém me ofende tentando me silenciar, tenho vontade de escrever o triplo,
haha. Então obrigada, “patriotas”!
QUAL É A
RECEPTIVIDADE DO LEITOR CARAZINHENSE PARA UMA AUTORA CONTERRÂNEA?
Carazinho, assim como o Brasil, possui
poucos leitores. Porém, se eu reclamar do acolhimento que minha literatura teve
aqui, serei muito injusta. Lancei livros, fundei uma editora (a Editora Os Dez
Melhores), publiquei autores locais, ministrei quase uma centena de palestras
em escolas, trabalhei em parceria com o Sesc em mais de uma oportunidade,
organizei eventos de arte, tenho uma parceria incrível com o Colégio Sinodal
Rui Barbosa e sempre recebi muito apoio e carinho. Obrigada, Carazinho!
Mas um adendo que considero muito
importante: todo apoio que recebi e ainda recebo em Carazinho nunca, jamais,
nem uma única vez, veio do poder público. De 2004 pra cá, acredito que já
apresentei pelo menos uma dezena de projetos literários para a prefeitura,
muitos deles envolvendo o lançamento de livros em escolas, escritos pelos
alunos. Foram diferentes prefeitos, de variadas siglas, lados e partidos e
nunca – NUNCA – recebi apoio de nenhum. Muitas reuniões, muitos protocolos,
muitos chás de cadeira e no fim, a velha e esfarrapada desculpa do “estamos sem
verba”. Bocejos.
Todavia, nenhuma novidade, já que sabemos
que governos e governantes, seja em Carazinho, seja no restante do Brasil, não
costumam valorizar a literatura, pois um povo que lê, pensa, e um povo que
pensa, não acredita em lorota de político sem-vergonha.
QUAIS OS
DESAFIOS ENCONTRADOS PARA PUBLICAR UM LIVRO NOS DIAS DE HOJE?
O maior desafio é colocar o livro nas mãos
do leitor. Nos últimos anos, publicar se tornou muito fácil e acessível.
Atualmente existem muitas editoras pequenas que trabalham com novos autores,
além de plataformas que permitem a publicação de e-books, inclusive
gratuitamente. Publicar é moleza. Difícil é fazer o livro chegar ao leitor,
pois somos um país que lê inacreditavelmente pouco. Por isso a importância de
se trabalhar com inteligência a literatura nas escolas, criando meios de formar
leitores e também formadores de leitores.
QUAL O
CONSELHO PARA QUEM TEM O SONHO DE PUBLICAR UM LIVRO?
Comece a escrever. Simplesmente comece, sem
se preocupar se está bom ou ruim. Porém, saiba de antemão o que pretende contar
e como pretende contar. Sempre digo que, se você não conseguir resumir sua
história em três linhas, você provavelmente não possui uma história, e aí as
chances de enrolar e só encher linguiça aumentam muito. Saiba de onde você vai
sair, por onde vai passar e aonde pretende chegar.
Para quem tem dificuldades em começar,
sugiro participar de alguma oficina de escrita criativa. Existem muitas opções
hoje em dia, a maioria delas online. Ter a orientação de um profissional nesta
hora pode ajudar bastante.
E, claro, leia, leia muito, leia todo dia, leia
sem moderação. Quem não lê, não escreve.
QUAL É O
TRABALHO E O APOIO OFERECIDO POR UMA EDITORA (NO CASO TUA EDITORA) AO FUTURO
ESCRITOR?
A Editora Os Dez Melhores se propõe a
cuidar de todo o processo editorial do livro, transformando os originais em uma
obra literária. Para isso, realizamos o trabalho de revisão e edição, os
registros de ISBN, Ficha Catalográfica e na Biblioteca Nacional, elaboramos um
projeto gráfico exclusivo para a obra e também cuidamos da impressão,
lançamento e divulgação, pré e pós-lançamento.
CITE O
NOME DE UM LIVRO MUITO SIGNIFICATIVO EM TUA VIDA, UM LIVRO DE CABECEIRA,
DAQUELES QUE A GENTE INDICA, E POR
QUE MOTIVO ELE É TÃO IMPORTANTE PRA TI.
“O acrobata pede desculpas e cai”, do
escritor gaúcho Fausto Wolff. Li este livro aos 19 ou 20 anos e ele, de fato,
mudou minha maneira de ver a vida e me mostrou de que lado do ringue eu queria
lutar.
Porém, deixo aqui também o nome de Djamila
Ribeiro, filósofa, escritora e pensadora brasileira que tenho consumido
vorazmente neste último ano. Seus três livros (“Lugar de Fala”, “Quem tem medo
do feminismo negro?” e “Pequeno Manual Antirracista”) são verdadeiras aulas
para quem deseja parar de passar vergonha publicamente.