Bandido bom é bandido...
... Recolhido por uma polícia
preparada, julgado por uma justiça que faça jus ao seu nome, e encarcerado em
um presídio capaz de reabilitá-lo e reintegrá-lo ao convívio social.
“Se você está com pena, adota”.
Quase posso ouvi-lo dizer, leitor. Isto é, quase posso ouvi-lo repetir, pois
este é um discurso mais velho do que andar pra frente, e tão profundo quanto
uma poça d’água. Mas, respondendo a pergunta, eu não vou adotar por que o crime
certamente fará isso primeiro. Aliás, é o que o crime faz: adota estes jovens
que são, desde o momento em que nascem até o momento em que são linchados pelos
“cidadãos de bem”, tratados pela sociedade – ou deveria dizer por nós? – como
marginais.
A raiz deste discurso nasce da
ideia deturpada e superficial de que não importa como chegamos aqui, mas que
estamos aqui e fim de papo. Mas, sim, importa muito como chegamos até aqui. Importa
muito saber por que um jovem de 15 anos sai para assaltar uma loja, ao invés de
estar estudando e pegando um cinema com a namorada. Ninguém entra para o crime
por que acha bonito. Geralmente, entra-se por que faltam opções.
Ok! Já escuto o leitor
repetindo:
– Não falta opção! Tento
contratar um pedreiro para construir uma piscina e não acho; tento arrumar uma
empregada doméstica para limpar minha casa de dois andares e não consigo; tento
encontrar um peão para cuidar dos meus 300 hectares e não tem ninguém querendo
trabalhar!
Por que razão nós, classe média
e alta, gostamos de acreditar que o sujeito que mora na vila, na favela, no
casebre, precisa se contentar em trabalhar para nós, sempre? O menino carente
não pode querer um celular novo, como seu filho quer. Ele deve se contentar em
falar no orelhão. O jovem pobre não pode querer um carro ou um tênis de marca,
como você quer. Pra que carro e tênis, se têm ônibus e chinelo de dedo? O pobre
parece não ter direito de querer status e respeito, e deve todos os dias se
ajoelhar e agradecer pelas migalhas que lhes jogamos, vez ou outra.
Só que eu pergunto: por que
você, seus filhos, amigos e familiares podem querer conforto, e até alguns
luxos, e o filho, os amigos e os familiares da sua empregada, que limpa sua
casa de dois andares, não podem? O que diferencia você e os seus, deles?
Eu digo: as oportunidades.
Você, eu, nós, estudamos em uma boa escola, crescemos em um lar relativamente
estruturado, nunca passamos fome, nunca sofremos maus-tratos, preconceito,
abandono, violência. Mas e para sua empregada, seu pedreiro, ou seu peão? As
oportunidades foram iguais?
Resposta: não. Não mesmo. E se
nós, com diploma na parede, piscina, casa de dois andares e granja de 300
hectares achamos razoável espancar, desnudar, humilhar e amarrar um adolescente
de 15 anos em um poste, imagina o que este mesmo adolescente não acha.
Precisamos parar com este
discurso de ‘nós’ e ‘eles’ – sendo nós os cidadãos de bem, trabalhadores e
pagadores de impostos, e ‘eles’ os marginais, vagabundos e desocupados, que deliberadamente
optaram por assaltar bodegas ao invés de estudar e pegar um cinema com a namorada.
Por que ‘eles’, assim como
‘nós’, não querem só comida. Queremos muito, muito mais.