Lamento informar, mas não. Você não pode tudo


Livros de autoajuda, coachings, nossa mamãe, vovó e titia, os youtubers e gurus motivacionais: vivemos em uma sociedade que passa o tempo todo dizendo que nós podemos conseguir tudo o que quisermos. O céu não é o limite e não há nada que você não possa. Querer é poder. Você é capaz, você é incrível, você é especial, único e extraordinário. Esforce-se e obterá, porque afinal você pode tudo.
Bem, lamento ter que dizer isso, mas não. Você não pode tudo não. Nem você, nem eu e nem o Papa. A verdade é que muitos dos nossos sonhos não vão se realizar, não importa o quanto a gente queira e se esforce. Vamos ouvir centenas de nãos, vamos desistir de vários projetos, vamos ver relações importantes se desintegrarem. Vamos nos dedicar muito e não vai adiantar nada.
Sabe por quê? Primeiro porque é assim que a vida é. Nunca, na história da humanidade, houve sequer uma criatura que conquistou tudo o que quis; que jamais lidou com desilusões; que desconhece a decepção. E segundo, porque nós não somos incríveis e especiais, meus caros. Somos só seres humanos mais errados do que certos; pessoas falhas, cada uma assombrada pelos seus próprios demônios, com suas limitações, medos e fraquezas. A ideia de que tudo podemos serve só para acumular insatisfação, pois na realidade não se aplica. Geralmente, as frases de impacto da indústria da autoajuda causam impacto só na teoria; na prática não provocam sequer um leve tremor.
O resultado: somos nós. Sem qualquer habilidade para lidar com as mais minúsculas adversidades, alérgicos à frustração, sempre fugindo e anestesiando-se diante da menor dificuldade. Somos uma aldeia repleta de caciques; um reino onde só existem reis e rainhas; uma selva na qual só vivem leões. Todo mundo se achando muito imprescindível, insubstituível, todo-poderoso e magnânimo no topo da cadeia alimentar. Crentes de que nosso umbigo é o centro do universo.
Entretanto, paralelamente ocorre um fenômeno curioso e bem triste: apesar de sermos uma sociedade onde cada um se considera muito incrível e especial, somos também um bando de desesperados por provar aos outros que somos muito incríveis e especiais – o que só comprova que não somos. Como dizem por aí, de que serve uma Ferrari em uma ilha deserta? De que vale ser incrível e especial se ninguém souber?
Por fora, nos apresentamos como os maiorais. Por dentro, nos sentimos a pulga do cavalo do bandido. Incapazes de se reconhecer no semelhante, nos consideramos ou superiores ou inferiores; nunca iguais. Diante do empresário rico, nos ajoelhamos. Diante do garçom, nos agigantamos. E por aí vai.
Então esqueçamos os livros de autoajuda, os coachings, nossa mamãe, vovó e titia, os youtubers e gurus motivacionais. A verdade é que você não é especial e eu também não sou. Não podemos tudo. Existem muitas coisas que não vamos conseguir, sonhos que vamos abortar, objetivos dos quais vamos desistir, desejos que seremos obrigados a engavetar. Vamos, inclusive, engolir sapos e levar desaforos pra casa. Por mais esforçados e bem-intencionados que sejamos, tem vezes que simplesmente não vai rolar.
E tudo bem, sabe? Porque, ao contrário do que parece, esta não é uma má notícia. Quando compreendemos que não somos incríveis e especiais, nos livramos da missão impossível, e extremamente desgastante, de provar ao mundo que somos incríveis e especiais.
E isso, meus amigos, talvez seja o mais perto que possamos chegar da real felicidade – que, no fim das contas, é o que todos nós procuramos sem parar.

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