Um bônus e um ônus e vice-versa


Existe uma frase – bem cretina, por sinal – que diz “trabalhe com o que você ama e você nunca terá que trabalhar na vida”. Foi então que um espertinho fez uma releitura do ditado, e criou a “trabalhe com o que você ama e você nunca mais vai amar nada na vida”. Dois conceitos que explicitam bem a nossa infantilidade e imaturidade emocional; a nossa extrema dificuldade em admitir que a vida simplesmente não é como a gente quer que seja.
Porque, de tudo, só queremos a parte boa. Reivindicamos o bônus e recusamos veementemente o ônus, apesar de um vir no encalço do outro: queremos trabalhar com o que amamos, mas não queremos compromissos, prazos nem responsabilidades. Queremos encontrar o amor da nossa vida, mas não estamos dispostos a ceder um milímetro. Queremos uma família grande, desde que todos sejam feitos conforme nossa imagem e semelhança.
Aí nós conseguimos trabalhar com o que mais gostamos. Encontramos uma pessoa que amamos e que também nos ama. Formamos uma família grande e tudo deveria estar certo, pois afinal era o que nós queríamos. Porém, chocados descobrimos que o trabalho que mais gostamos também pode ser exaustivo e estressante. Nosso relacionamento com o amor de nossa vida passará por altos e baixos; a intimidade evidenciará o que nós e o outro temos de melhor e pior. A grande família entrará em atrito e pronto! É o que basta pra que a gente emburre e siga reclamando, contrariados e descontentes, querendo sempre o que não temos.
Vem a frustração, é claro, já que passamos a maior parte do tempo listando o que nos falta, nunca o que nos sobra. Criamos ilusões sobre como teria sido melhor se tivesse sido diferente: eu poderia ter arrumado outro emprego. Eu poderia ter ficado solteiro ou casado com outra pessoa. Eu poderia não ter tido uma grande família. Eu poderia, eu deveria, eu precisaria, eu teria, eu faria.
O pretérito não deveria ter futuro, pois, se fosse realmente diferente, também estaríamos achando ruim, porque é assim que nós somos: um saco sem fundo de insatisfação infinita. Sempre apegados no que não foi; no que não deu; no caminho que não escolhemos. Como criancinhas mimadas, que não querem fazer o dever antes de comer a sobremesa.
Penso que já passou da hora da gente parar de se judiar, porque é horrível conviver com o mimado, mas é especialmente horrível ser o mimado, sempre surtando diante da menor contrariedade. Costumamos acreditar que o mimado é um folgado que leva a maior vida boa. Não é verdade. O mimado sofre. O motivo pode até ser uma idiotice; o martírio é totalmente real.
Não sejamos mimados.
Porque, de boa, nós somos mais felizes do que pensamos. Temos mais do que merecemos e fizemos as melhores escolhas que poderíamos fazer em cada momento. Se tivéssemos feito diferente, seria diferente, mas também haveria transtornos, porque assim a vida é: tudo, absolutamente tudo, tem seu lado bom e seu lado ruim. Realizar o seu maior sonho ou viver o seu pior pesadelo trará igualmente alegrias e tristezas.
Trabalhe com o que você ama e você terá vantagens e desvantagens, do mesmo jeito se trabalhar com o que não ama. Case com quem você deseja, e haverá tanta felicidade quanto dificuldade, exatamente como será se optar por ficar solteiro. Tenha uma família grande e se prepare para viver bons e péssimos momentos, tal e qual se você optar por ter uma família pequena, família nenhuma ou só um cachorro.
Para cada bônus, um ônus, é disso que não podemos esquecer. Porque diferente da nossa mamãe, a senhora vida não deixa a gente comer a sobremesa sem fazer também o dever de casa.

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