Revoluções de Ano Novo
Estamos
carecas de ouvir falar sobre as resoluções de ano novo, aquela famosa e
fatídica listinha onde enumeramos nossos desejos e objetivos para o ano que se
inicia. Resolução, inclusive, significa isso: decisão. Porém, estamos igualmente
carecas de saber que, na maioria das vezes, tais resoluções sequer chegam a
sair do papel no qual foram escritas, principalmente porque a) são
absolutamente irreais e, se não impossíveis, improváveis ou b) não dependem
somente de nós.
Assim
sendo, neste ano sugiro que façamos também uma segunda lista, de revoluções.
Mas calma. Não me refiro a nenhum levante armado ou revolta, nada de hastear
bandeiras e destruir vitrines, é sem motim e sem quebradeira. Porque falo de
revolução no sentido de movimento, reforma, renovação. E não há nada,
absolutamente nada que possamos movimentar, reformar e renovar que não seja a nós
mesmos. Sim, estou falando da temida revolução interior, onde o aliado e o
inimigo se resumem àquela criatura que observamos refletida no espelho. Aquela
que tememos, mas desrespeitamos. Que amamos, mas a quem tanto maltratamos.
E
é aqui que reside o problema: nós preferimos evitar a fadiga emocional de uma
revolução íntima e seguir acrescentando itens em nossa listinha fantasiosa de
resoluções que, submissa à sorte ou à boa vontade alheia, sempre nos permitirá
responsabilizar o outro, o destino, Deus ou o azar pelos nossos tropeços e
desventuras. A revolução, por sua vez, obedece somente a nós mesmos. É sobre
quem somos aqui dentro, nos bastidores e sem plateia. Trata-se de lidar, e não
só lutar, com nosso lado perverso, nossos medos, nossos erros, vícios e
repetências, nossos padrões de comportamento doentios, nossas obsessões e
ilusões. Nosso vasto, belo e sombrio universo particular.
De
modo que o grande desafio é estabelecer, para cada resolução, uma revolução.
Você espera cuidar melhor da sua saúde física em 2019? Maravilha! Mas e que tal
também dedicar atenção à sua saúde emocional? A mente, afinal, precisa estar saudável
tanto quanto o corpo, caso contrário um adoece o outro.
Deseja parar de fumar
no ano que se inicia? Ótima decisão! Mas e que tal aproveitar e também parar de
julgar o colega? A calúnia que sai da nossa boca é tão nociva quanto a fumaça
que entra.
Gostaria de perder peso? Bacana, mas e que tal também parar de
carregar pesos que não te pertencem? Acredite: o fardo do nosso corpo não é mais
perigoso que o fardo de nossa alma.
Pretende se apaixonar? Boa! Mas e que tal
tentar amar primeiro a ti mesmo? A carência é péssima conselheira, e ninguém jamais
poderá te completar, além de você.
Quer trocar de carro? Massa! Aproveita e
troca também as reclamações por agradecimentos. A gratidão é mais competente
que o automóvel para nos levar adiante.
Planeja procurar um novo emprego? Perfeito,
mas que tal procurar também mais alegria em seus dias?
Somos
parte integrante de uma sociedade altamente materialista e consumista, na qual
felicidade e bem-estar parecem existir somente aqui fora, na superfície, na carne,
na aparência, na matéria. Daí porque nossas fadadas listinhas de resoluções
costumam não funcionar: elas se focam apenas no que podemos ver e tocar. Porém,
somos seres altamente complexos, formados por incontáveis camadas que integram
corpo e consciência, cérebro e emoção, massa e energia, fachada e núcleo, casca
e polpa. Exaltar um e ignorar o outro é o caminho certo para não satisfazer
nenhum dos dois.
Então,
que neste novo ano possamos corrigir em nós o que desejamos corrigir no outro.
Que sejamos na prática, e não só no discurso, a transformação que esperamos do
mundo. Que tenhamos a coragem de iniciar nossa revolução íntima, pessoal e
intransferível, que nos fará sair de 2019 melhores, menos aflitos e mais fortes
do que quando nele entramos.
Que
assim seja, a mim e a ti, amém.