Lugar de cultura
Cultura
na Praça era o nome do evento organizado por David Faria, Bianca Zachert e André
Nascimento – que, como o próprio nome sugere, deveria acontecer na praça
central de Carazinho durante a tarde do dia 10 de novembro de 2018, reunindo exposições
de arte e música. No dia 8, 48h antes, os organizadores foram informados de que
não poderiam realizar o evento na praça, já que aconteceria outro evento da
prefeitura ali, marcado para o mesmo dia, local e horário.
Assim,
transferiram o Cultura na Praça para a Gare, um lugar bem legal, porém sem
árvores, grama e nem sombra. A previsão marcava 35 graus para aquela tarde, e a
maioria dos artistas e expositores confirmados foi pego desprevenido,
precisando correr de última hora atrás de gazebos, guarda-sóis ou qualquer
coisa capaz de proteger do sol furioso.
Eu
fui um destes artistas, e como não arrumei gazebo e nem guarda-sol, acabei
participando apenas como público. O evento estava lindo, mas o calor judiou. Alguns
artistas enfrentaram o sol na cara e na coragem; outros improvisaram um toldo, e
teve quem se defendeu com bonés e óculos escuros. Muitos, como eu, desistiram.
É o caso de um grupo de dança, que não pôde se apresentar porque o chão fervia,
e da Sheila Kempfer, da VegaNinho Comida Vegana, que não achou seguro ficar torrando
embaixo do sol com comida fresca e seu bebê de pouco mais de um ano.
Na
praça, teria sido outra história. Haveria mais público, mais artistas, mais
expositores, mais atrações, mais conforto pra geral. A praça, afinal, é bem
grande, e ambos os eventos poderiam acontecer simultaneamente. Era só organizar
direitinho que todo mundo ficava na sombra.
Sem
falar no enorme desrespeito e desconsideração, por parte do poder público, de
avisar em cima da hora que o evento não poderia acontecer onde deveria
acontecer, deliberadamente prejudicando a divulgação, os organizadores, os
participantes, o público, todos que estavam direta ou indiretamente envolvidos.
No
entanto, não é a primeira vez, e infelizmente não será a última, que nossos
governantes não só se omitem, como também prejudicam projetos culturais
independentes, como aconteceu com o Cultura na Praça.
Falo
porque sei. Eu tinha 19 anos a primeira vez que apresentei um projeto literário
para a prefeitura de Carazinho, e 33 a última vez – lembrando por cima, foram pelo
menos oito. De lá pra cá, entrou governo e saiu governo, dos mais diferentes
partidos, com as mais variadas coligações, siglas, bandeiras e ideologias, mas uma
característica em comum: o descaso retumbante com a arte, com a cultura e com a
educação.
Uma
característica que, infelizmente, está longe de ser exclusividade daqui. Não
importa o CEP, nunca tem verba quando se trata de cultura e educação. Não tem
incentivo, não tem espaço, não tem orçamento, não dá, não pode, não convém, não
é possível. Eu já larguei de mão, e sempre que posso, vou alertando o pessoal:
se você precisar do poder público, pode ir tirando o cavalinho da chuva. Não
vai rolar. Se você quer fazer, vá e faça você mesmo. Do contrário, se prepare
para muita burocracia, papeladas, chás de cadeira, reuniões inúteis, protocolos,
adequações e enrolações para, no final, nada.
Inclusive
é por isso que eu fico de cara quando ouço gente falando que artista mama na
teta do governo. Risos aflitos. Galera vê o ator e cantor global, que ganha milhares
de reais por mês da emissora que o contratou, e acha que a vida do artista é sombra
e água fresca no Leblon.
Entretanto,
na vida real, o que mais vejo por aí é artista vendendo o almoço para pagar a
janta, morando de favor em porões e quartinhos improvisados, pedindo dinheiro
emprestado, atrasando boletos e, não raramente, desistindo da arte por
simplesmente não conseguir continuar, tamanho o descaso geral. Se eu dependesse
de verba pública para viver, acreditem: eu não estaria aqui escrevendo este
texto porque estaria morando embaixo da ponte.
O
fato é que a arte não existe só para entreter, mas para questionar, para
desacomodar, incomodar e fazer pensar. Razão por que nenhum governo ou
governante, seja de Carazinho ou de qualquer outro lugar, vê motivos para
investir justamente naquilo que o fará perder o controle do rebanho. O projeto
de poder de nossa classe política torna-se inviável sem um prévio projeto de
ignorância social. Um povo intelectualmente operante é um povo ameaçador, de
modo que é mais seguro manter a boiada cercada, marcada e pastando.
Nenhum
político quer cultura na praça. Porque para eles continuarem de boa, lugar de
cultura precisa ser onde o povo não está.