O leitor-censor: onde vive e do que se alimenta


A censura, segundo o dicionário, é “o exame de trabalhos artísticos ou informativos que busca filtrar e proibir o que é inconveniente do ponto de vista ideológico e moral”. Do ponto de vista ideológico e moral do censor, acrescento.
A ideia fundamental da censura é calar quem discorda, geralmente para proteger os próprios interesses. Houve um tempo em que a censura vinha em forma de canetaço, bem descarada e escancarada; hoje, no entanto, ela veste mil máscaras, e surge tão discretamente que você nem percebe que ela está ali. Porque agora não é mais o governo ou o ditador que intimida e silencia. É o censor disfarçado de leitor, que eu carinhosamente apelidei de leitor-censor.
A internet é o seu habitat natural; é onde vive e procria, alimentando-se do mesmo veneno que espalha. Protegido atrás da tela, é dali que garimpa quem não pensa como ele e ataca. Também costuma andar em bando, para parecer maior e mais forte do que de fato é.
Entretanto, o leitor-censor geralmente não se considera um censor. Bem pelo contrário. Ele acredita estar exercendo plenamente sua cidadania e seu direito de se expressar com liberdade. Ele crê estar apenas “dizendo o que pensa”.
Contudo, seus comentários são fáceis de identificar, porque são recheados de ranço e deboche. Não raramente, questionam a inteligência e a integridade do autor, o ofendem e o ridicularizam. Intimidam e desqualificam sua opinião. O leitor-censor não conversa e argumenta, o que é obviamente saudável: ele avança. Invade teu espaço e te agride. Solta o verbo e toca o maior terror.
Seu objetivo é calar a boca de quem pensa diferente dele. Como não pode usar do canetaço, uma vez que não tem poder para tanto, se utiliza de palavras para ferir e coagir. Uma tática que funciona, já que muitos preferem não mexer em alguns vespeiros e deliberadamente se autocensuram, com medo da reação tirânica da massa. “Não vou falar sobre isso pra não me estressar”, diz o autor encurralado. E é assim que mais um leitor-censor cumpre sua missão com sucesso.
Eu, enquanto escritora, tenho muito cuidado com a autocensura gerada pelo leitor-censor. Mais de uma vez me peguei apreensiva, pensando se deveria ou não escrever sobre determinado assunto, prevendo de antemão a ofensiva histérica que vinha pela frente. Então me lembro que este é justamente o objetivo do leitor-censor, e escrevo.
Mas não escrevo para convencer, o que me livra da obrigação de rebater e discutir, desperdiçando meu tempo, minha saúde e minha juventude. Isso, afinal, é o que o leitor-censor quer de mim. Que eu me esgote em uma luta vã, batendo boca e me exaurindo internet afora. Ele quer que eu acredite que não vale a pena mexer em alguns vespeiros.
Em tempos como este, de extremos e radicalismos, o leitor-censor desempenha um papel fundamental para a manutenção da selvageria. Sob o falso argumento de exercer seu direito de se expressar livremente e “dizer o que pensa”, ele filtra e proíbe o que é inconveniente do seu ponto de vista ideológico e moral, e te impede, via constrangimento, de se expressar livremente e dizer o que pensa no teu próprio campinho. Ao supostamente “exercer sua cidadania”, o leitor-censor busca calar qualquer voz que não faça eco às suas convicções.
É censura que se chama.                             
Porém, a verdade é que não existem vespeiros onde não se possa mexer. O método do leitor-censor só funciona se o autor se assustar com seus gritos virtuais – que são somente isso, gritos virtuais. Por isso, sugiro não alimentar o leitor-censor neste zoológico que virou nosso país. Não amplie sua voz e sua importância, não perca seu precioso tempo, sua saúde e sua juventude, não pare a caravana.
Porque é mais fácil você começar a latir do que o cão que ladra aprender a dialogar.

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