Diálogo é para quem sabe dialogar
Se houve uma lição que eu aprendi nestas tenebrosas e
inesquecíveis eleições de 2018 é que diálogo é para quem é do diálogo. Por isso
se chama diálogo e não monólogo: porque pressupõe a existência de duas ou mais
pessoas trocando ideias.
A questão é que, para que haja, de fato, diálogo, todas as partes
envolvidas precisam estar abertas para mudar de opinião, e é aqui que reside o
problema. Certezas costumam minar diálogos, pois ao invés de ampliar o debate,
o restringe e o atrofia. A convicção cega de que a verdade é nossa propriedade
nos faz adaptar a realidade às nossas crenças, e não o contrário. Um perigo,
como estamos vendo.
Nossa falta de discernimento e raciocínio chega a tal ponto, que
vivemos a era das fake news, algo que só se cria em um país intelectualmente subdesenvolvido.
E o pior: notícias falsas que são verdadeiros absurdos; que até uma criança de
cinco anos deveria saber que é mentira. Nós não sabemos. Nós acreditamos,
porque temos muita certeza, e compartilhamos convictos que, a partir de agora,
as notas de R$50 virão com o rosto de Pabllo Vittar.
O cenário é medonho e assustador, mas, como disse uma amiga, só
está surpreso quem não estava prestando atenção. Estas eleições e suas fake
news bizarras, seus eleitores tietes, a histeria, o ódio, a selvageria, o amor
declarado pela violência, o desbunde da ignorância, a saída do armário de
tantos preconceituosos enrustidos: é tudo consequência, e não causa. Trata-se, na
verdade, de uma tragédia anunciada.
Veja que a pesquisa “Perigos da Percepção”, do instituto britânico
Ipsos Mori, nos alertou que, em uma escala de 33 países, somos o 3º mais
ignorante em relação à nossa própria realidade. A pesquisa “Analfabetismo no
Mundo do Trabalho”, do Instituto Paulo Montenegro e da ONG Ação Educativa, também
já havia nos informado que apenas 8% dos brasileiros são capazes de entender e elaborar
textos e realizar cálculos simples de matemática. O Indicador de Analfabetismo
Funcional bem que tentou nos avisar que 38% dos universitários brasileiros não
dominam habilidades básicas de leitura e escrita. Sem contar o
desonroso penúltimo lugar que ocupamos em um ranking global de qualidade na
educação.
Dezenas de pesquisas, estudos e
especialistas tentaram nos prevenir de que somos burros pra caramba. E como
todo burro, nós não ouvimos, porque temos certeza absoluta de que não somos
burros.
Ou seja: esta eleição, que escancarou
nossa tremenda estupidez e ignorância; que mostrou o quanto somos mental e
emocionalmente infantis, intolerantes, violentos e alienados; incapazes de
dialogar ou mesmo de enxergar um palmo na frente do nariz; é apenas e tão
somente o resultado natural de décadas e décadas de descaso total com a
educação, com a formação de pensadores, de críticos e, principalmente, de
autocríticos. De pessoas capazes de se comunicar umas com as outras ao invés de
grunhir, babar e morder.
Em tempos assim, aos que ainda possuem
um pingo de lucidez e raciocínio, sugiro nunca esquecer que diálogo é para quem
sabe dialogar. Vejo muitos em minha volta destruindo sua saúde mental tentando
conversar com quem é completamente apaixonado por suas próprias crenças,
certezas e convicções. Trata-se de uma luta vã, meus queridos. Guardem seu
esforço e sua saliva para quem é do diálogo. São poucos os que restaram, eu
sei, e isso é triste demais, eu também sei. Contudo, não podemos dizer que não
tentaram nos avisar.
“Só está surpreso quem não estava
prestando atenção”, disse uma amiga. E é verdade. Nós não estávamos prestando
atenção. Mas agora estamos.