Quem é o bandido que você quer ver morto?
Eu não gosto do Jair Bolsonaro.
Discordo veementemente de seu discurso, de sua postura, de suas ideias, e não
gostaria de viver em um país governado por ele.
Entretanto, não quero Jair
Bolsonaro morto.
Não quero ninguém morto, aliás.
Nem o ladrão e nem a polícia. Nem o branco e nem o preto. Nem o rico e nem o
pobre. Nem o coxinha e nem o pão com mortadela. Nem eu e nem quem pensa
diferente de mim. Daí minha incompatibilidade e rejeição ao Bolsonaro e tudo o
que ele representa.
Ocorre que, ao contrário de mim
e exatamente como Jair Bolsonaro, Adélio Bispo de Oliveira, o homem que o esfaqueou,
quer ver sangue. Adélio, assim como Bolsonaro, acredita que existem pessoas que
merecem morrer. A diferença é que Bolsonaro quer matar “o bandido” e Adélio quer
matar o Bolsonaro – que, para Adélio, é “o bandido”.
O maior problema em querer ver
o bandido morto é definir quem é o bandido que deve morrer. Seria o sujeito que
espreita tua casa de madrugada? O vizinho que estacionou o carro na porta da tua
garagem? O político que desvia dinheiro público? O moleque que fuma maconha? O
amigo do Facebook que discorda de ti? O cara de 20 que namora a menina de 13? O
jovem que estaciona na vaga do idoso?
Quem é o bandido que você quer
ver morrer?
Este atentado inadmissível,
injustificável e covarde, sofrido por um candidato à Presidência da República,
justamente aquele que defende armar e inflamar a população, poderia ser uma ótima
oportunidade para ligarmos os pontos e conectarmos os fatos, compreendendo que
a violência é autossustentável. Ela só precisa de si mesma para subsistir e
prosperar.
Esta poderia ser uma ótima
oportunidade, mas não, infelizmente não será. E não será justamente porque a
violência é autossustentável e só precisa de si para subsistir e prosperar.
Porque agora, quem apoia o Bolsonaro
quer ver o Adélio morto. Quem critica o Bolsonaro, por sua vez, lamenta que ele
ainda esteja vivo, e sustenta o mesmo discurso de ódio que o tornou famoso. É
um ciclo sem fim: violência gera violência do mesmo jeito que macieiras geram
maçãs.
No fim das contas, concordamos
tanto com Bolsonaro como com Adélio: o bandido merece mesmo morrer.
Mas se, para cada um, o bandido
é um, como fazer? Para Bolsonaro, é Adélio. Para Adélio, é Bolsonaro. Para mim,
bandido é o cara que me fechou e me xingou no trânsito, e para o cara que me
fechou e me xingou no trânsito, o bandido sou eu, que só atrapalho e atravanco
o seu caminho.
Por isso não quero ninguém
morto. Quero o bandido e o mocinho vivos. Quero o Bolsonaro vivo, o Adélio vivo,
opositores e simpatizantes, antagonistas e protagonistas, gremistas, colorados
e flamenguistas, comunistas e consumistas. Quero todo mundo bem vivo, inclusive
eu e você.
Porque, se para cada cabeça, há
uma sentença; para cada sentença, haverá um “bandido” morto.
Nesta equação, eu pergunto: você
seria capaz de sobreviver?