Vaidade Intelectual


O título deste texto dá nome a uma característica bastante comum em pessoas estudadas e eruditas: se achar superior por ser estudada e erudita. Então debocham de quem fala errado, de quem não sabe escrever direito, de quem não consegue se expressar com clareza.  
O que estas pessoas letradas ignoram – tornando-se, assim, tão ignorantes quanto quem criticam – é que saber escrever e se comunicar com propriedade são privilégios. Ser intelectualmente ativo, comunicativo e instruído, e saber conectar as informações para transformá-las em conhecimento, geralmente são características de pessoas com acesso à educação de qualidade, dentro e fora da escola. Uma regalia para poucos afortunados neste país de nome Brasil.
Eu, por exemplo, que me chamo de escritora, sou filha de leitores, e cresci em um lar abarrotado de livros, revistas, jornais e gibis. Frequentei por toda a vida um colégio particular, fiz aulas de desenho, pintura e balé, participei de oficinas de artesanato. Tenho formação superior. Meus pais nunca me negaram nada, absolutamente nada, que estivesse relacionado à minha educação.
Nasci e cresci em terreno fértil e estável, no qual tudo colaborou para o meu amadurecimento intelectual. Não recebi uma boa educação apenas da escola, mas da família também, e de todo o ambiente que me cercava. Logo, saber escrever corretamente e me expressar com clareza é o mínimo que eu poderia fazer, após tantos estímulos cognitivos. Não é nada mais do que a minha obrigação.
Porque outros não tiveram a mesma sorte e os mesmos privilégios que eu. Nasceram e cresceram em solo estéril e hostil, no qual o ambiente, ao invés de nutrir o indivíduo, o enfraqueceu. São pessoas que, muitas vezes, vêm de lares desestruturados, com pouco ou nenhum acesso à educação, à leitura, à cultura, ao conhecimento. Não tiveram a oportunidade de estudar em boas escolas, nem de fazer cursos, oficinas e aulas de balé. Falo de pessoas que, seja por razões sociais, familiares, financeiras, estruturais, e até mesmo mentais e emocionais, não desenvolveram qualquer pensamento crítico. Não aprenderam a pensar, a escrever e a se expressar simplesmente por que não tiveram nenhuma chance de aprender.
Dito isso, eu pergunto: como posso eu, intelectualmente abastada e privilegiada, tirar sarro da ignorância alheia? Rir da limitação do outro? Debochar da falta de conhecimento de quem jamais teve acesso ao conhecimento? Como posso eu, de barriga cheia, ridicularizar quem tem fome?
Então, antes de zombar da placa que o tiozinho do lanche escreveu incorretamente, ou da faxineira que deixou um bilhete cheio de erros de português, ou do vendedor ambulante que fala errado, pense que conhecimento é privilégio. E como todo privilégio, deve despertar em nós responsabilidade; e não vaidade.

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