Os porcos e os homens
Devo advertir que este texto
não é pra você, que acredita que o Lula é um herói.
Este texto também não é pra
você, que acha o juiz Sérgio Moro um herói.
Tampouco é pra você, que
considera o Bolsonaro um herói.
Resumidamente, este texto não é
para quem acredita que existe algum herói neste lodo de corrupção no qual
chafurdamos com tanta convicção.
Imagino que tenham sobrado
poucos leitores no quinto parágrafo de um texto como este, mas é exatamente
para estes leitores que eu quero escrever. Para aqueles que, assim como eu,
estão mais perdidos que cachorro em dia de mudança no meio deste Gre-Nal
politiqueiro de quinta categoria.
Porque é tudo preto ou branco,
sem opções de cinza: ou se torce pelo Lula ou se torce pelo Moro. Ou é pão com
mortadela ou é coxinha. Ou odeia os pobres ou odeia os ricos. Ou defende o
bandido ou quer o bandido morto. Ou está comigo ou está contra mim.
Entretanto, eu não consigo
dividir o mundo entre nós e eles – pelo menos não aqui, na parte debaixo desta
pirâmide social, na qual estamos todos, uns mais pra cima, uns mais pra baixo.
O único inimigo que eu identifico com clareza neste cenário acinzentado é
justamente aquele sem rosto, nome ou sobrenome, que se mantém por trás das
siglas e das bandeiras, manipulando as cordinhas, abarcando todos os lados.
Falo desta estrutura maior e mais poderosa que resiste, apesar do tempo. Os
candidatos vêm e vão, os partidos mudam a ordem de suas letras, a democracia
vira ditadura e depois vira democracia outra vez, mas o sistema permanece.
Intacto. Há mais de 500 anos.
De modo que não posso levantar
minha voz em defesa de quem faz parte de uma estrutura que está completamente
contaminada e pervertida, tomada em metástase por este câncer galopante chamado
corrupção. Até por que, nunca vi uma maçã madura amadurecer as demais maçãs
podres no cesto, só o contrário.
Por isso não tenho heróis, nem
na política e nem em lugar nenhum: porque não sou capaz de reconhecê-los.
E é assim que eu consigo a
improvável façanha de fazer os pró-Lula, os pró-Moro e os pró-Bolsonaro
unirem-se para concordar em um ponto: eu não me posiciono, eu fico em cima do
muro, eu não tenho opinião, o que me torna a pior pessoa. Perguntam-se como é
possível eu não enxergar o óbvio: que o Lula/Moro/Bolsonaro é a solução para o
Brasil!
Já eu fico aqui me perguntando
como pode alguém acreditar que um único homem – um herói? – pode salvar o país,
ou que um único homem – o vilão? – pode sozinho destruí-lo.
Lembro do livro “A Revolução
dos Bichos”, de George Orwell, quando, após a revolução, os animais rebelados
acompanham a conversa entre os homens da fazenda (seus carrascos) e os porcos
(seus aliados e representantes). A reunião acontece na casa dos homens, ou
seja: dentro da estrutura de poder dos carrascos. Além dos porcos, os demais bichos
não participam; apenas acompanham o conchavo do lado de fora, espiando por uma
janela embaçada.
O último parágrafo diz: “As
criaturas olhavam de um porco para um homem, de um homem para um porco e de um
porco para um homem outra vez; mas já era impossível distinguir quem era homem
e quem era porco”.
Eu me sinto exatamente assim,
olhando do lado de fora de uma janela embaçada, sem conseguir diferenciar os
porcos dos homens. Apenas assistindo da arquibancada um jogo no qual,
estranhamente, os dois times ganham, e só quem perde sou eu, e ambas as
torcidas ao meu lado.
Enquanto for deste jeito,
lamento, mas não posso torcer nem para o time dos porcos e nem para o time dos
homens.