Os corruptos originais


A greve dos caminhoneiros – e todos os efeitos colaterais que ela trouxe para nossa vida cotidiana – fez muito brasileiro descobrir o óbvio: nossos políticos não são de Marte. Eles não são alienígenas que vieram de uma galáxia muito distante só para nos roubar e nos fazer de otários. Não, nada disso! Eles vêm diretamente do útero da nossa sociedade; eles são parte integrante de cada um de nós.
A verdade dura, nua e crua é uma só: um país que produz políticos corruptos em série, como é o caso do Brasil, é um país de cidadãos corruptos.
Assim sendo, em meio a uma crise política, econômica e popular, no epicentro de uma greve nacional, resolvemos vender um saco de batatas por R$500. Cobramos quase R$10 o litro da gasolina, e uma dúzia de alface, que antes saía por R$8, passou para R$20 em questão de algumas horas. Durante a paralisação, que buscava justamente frear a roubalheira sem fim, decidimos que era uma boa ideia roubar também.
Então superfaturamos todos os produtos, com a clara intenção de... De que, exatamente? Apoiar a greve? Lutar pelos nossos direitos? Contra a corrupção? Em favor do povo?
Desconfio que não.
Superfaturamos todos os produtos com a única intenção de tirar vantagem, porque é isso o que nós fazemos sempre que podemos. E dane-se quem não gostar. “O mundo é dos espertos”, a gente repete tal e qual papagaio, se achando muitíssimo malandro.
E foi assim que assistimos, meio estarrecidos e meio anestesiados, a uma manifestação popular na qual o próprio povo que protestava tentou passar a perna em si mesmo. O mesmo povo maltratado e desgraçado reclamando que é explorado, enganado e roubado enquanto explora, engana e rouba também. 
É o que eu chamo de dar um tiro no pé. E atirar no próprio pé não faz nenhum sentido. Como não faz sentido nossa cara de pau de andar por aí protestando contra a corrupção, muito indignados, ao mesmo tempo em que repetimos sistematicamente a mesma postura de nossos políticos corruptos.
Porque nós estacionamos na vaga do deficiente e do idoso. Pegamos a ficha de atendimento preferencial, mesmo não precisando. Furamos a fila. Não avisamos sobre o troco errado. Desrespeitamos o vizinho. Ultrapassamos onde é proibido. Sonegamos impostos. Tratamos mal o garçom, a diarista, o porteiro. Ignoramos as regras. Batemos o ponto no trabalho e vamos embora. Temos internet e Sky gato. Vendemos um saco de batata por R$500, uma dúzia de alface por R$20, um litro de gasolina por R$10. E para cada uma destas ações, temos uma justificativa, uma explicação, um motivo. Os corruptos, afinal, sempre têm.
Dentro das nossas possibilidades, somos cópias descaradas de nossos nada nobres políticos.
Ou melhor dizendo, eles é que são nossas cópias descaradas.
Nós somos os corruptos originais.


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