O corpo, a mente e o biquíni
Tenho
33 anos de idade, e sabe qual foi a última vez que usei um biquíni? Quando
ainda era criança. Porque assim que coloquei meus pezinhos na pré-adolescência,
descobri que era preciso “ter corpo” para usar biquíni, saia curta, barriga de
fora. Um corpo magro, esbelto, definido, assim e assado e etc. Um corpo que não
poderia ser mais diferente do meu, que afinal era uma criança, e já me via afogada
em lições sobre como eu deveria ser fisicamente, e não era. Foi quando fiquei
com vergonha de mim.
Naquele
verão de 1996, viajei para a praia com os meus pais e passei a temporada
inteira usando uma camiseta gigantesca sobre o biquíni, inclusive para entrar
no mar. Escrevi no diário: “não uso biquíni porque estou gorda”.
Eu
tinha 11 anos.
O
tempo passou, eu cresci, conheci o feminismo e fui compreendendo o complexo
processo que faz uma menina de 11 anos sentir vergonha do próprio corpo. Acredito
que já me libertei de muitas destas insanidades que enfiam em nossas cabeças,
de que precisamos ser muito magras, muito belas e muito perfeitas, inclusive machucando-se
física e emocionalmente, se preciso for. Tudo para se enquadrar em padrões que
seriam ridículos, se não fossem odiosos.
Hoje,
mais de vinte anos depois, eu entendo.
Mas
ainda não consigo usar o maldito biquíni. Simplesmente não rola. Para falar a
verdade, fico desconfortável só de pensar. Se eu coloco um biquíni, minhas mãos
vão automaticamente em direção da barriga, numa tentativa de escondê-la. A
primeira vontade que me vem na cabeça é a de me cobrir com uma camiseta bem
larga – como fez a Janaína de 11 anos, naquele veraneio de 1996.
Isso
me deixa tremendamente triste, sabe? Porque este meu exemplo mostra bem o
quanto a estrutura social molda a nossa personalidade e o nosso comportamento,
por mais que a gente tente fugir e se libertar.
Em
minha casa, nunca sofri pressão para me enquadrar em padrões. Meus pais jamais
disseram que eu estava gorda. Em compensação, a TV dizia que sim. As revistas
que eu lia diziam que sim. Os colegas na escola, que também viam TV e liam as
mesmas revistas que eu, diziam que sim. Todas as referências sociais que eu
tinha com 11 anos diziam que sim: eu era gorda e meu corpo era feio. De modo
que isso se enraizou de um tal jeito em minha consciência, que até hoje – droga!
– eu não uso biquíni!
Cruel
o que fazemos com as nossas meninas. Como destruímos sua confiança homeopaticamente,
como as induzimos com sutileza à insegurança, à ansiedade e à solidão. Se eu,
que tive acesso ao pensamento feminista; que desfrutei da oportunidade de
estudar, aprender, refletir, ler e debater; se eu, que já sou adulta há tempo,
não uso biquíni, imagine as gurias de 11, 12 anos, como eu era em 1996.
Por
isso, amigos, eu imploro: deixem as meninas em paz! Permitam que elas cresçam
sabendo que não são apenas um corpo, mas que seu corpo também faz parte de quem
são, e elas devem amá-lo e não odiá-lo.
E
meninas: não caiam nesta armadilha, na qual eu caí, e da qual ainda tento sair.
Quando disserem que é preciso “ter corpo” para usar biquíni, verifiquem no
espelho. Vocês têm um corpo? Sim, nós temos. Um corpo único e funcional, que
nos possibilita caminhar pelo mundo, experimentar sensações, criar, tocar,
sentir, abraçar, mergulhar e dançar. Ele é perfeito porque permite que a gente
exista.
Então,
usemos biquíni. Nossa existência é bonita demais para ficar escondida embaixo
de uma camiseta larga.