"Ideias são à prova de bala"
Esta
é uma das frases ditas por V, o anti-herói do filme e dos quadrinhos V de
Vingança, quando, diante de um inimigo, viu-se cercado por homens armados até
os dentes, sua cabeça na mira. V sabia que poderia morrer naquele instante, mas
não o que ele representava. Os princípios pelos quais lutou; a ideologia que
personificava; isso seu inimigo não seria capaz de destruir nem com todas as
armas e munições que existem no mundo.
Ideias
são concebidas, sustentadas e perpetuadas por pessoas. Contudo, em um determinado
momento, tornam-se maiores do que qualquer um.
Por
isso a execução da vereadora Marielle Franco não foi um assassinato comum. Não
por que Marielle era diferente das dezenas de milhares de vítimas de homicídio
Brasil afora. A execução de Marielle Franco não foi um assassinato comum por
que, ao emboscá-la e matá-la, o objetivo não era apenas emboscar e matar uma
pessoa, mas uma ideia.
Quando
calaram Marielle com quatro tiros na cabeça, tentaram calar as muitas vozes que
se comunicavam através dela. Vozes historicamente silenciadas.
Marielle
era mulher, negra, bissexual, nascida e criada na favela. Sozinha, ela própria
reunia os atributos necessários para enfrentar quatro diferentes tipos de
preconceito ao mesmo tempo, o tempo todo. A mensagem foi bastante clara: calem
a boca. Assim, no plural mesmo. Porque não era somente a boca de Marielle que
queriam calar, e sim a de todos que ela representava. Como disse Lourenço Cezar
da Silva, diretor do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré, o recado foi
para a favela: “A ideia foi falar para o favelado: se cuida, vocês não têm
espaço, não saiam, não gritem, não denunciem. Concordem”.
Infelizmente
pessoas não são à prova de bala, e a voz de Marielle se calou para sempre na
noite do dia 14 de março de 2018.
Contudo,
ideias não podem ser executadas com quatro tiros na cabeça. Elas prevalecem,
apesar das balas. Elas continuam, apesar das mentiras compartilhadas aos
milhões. Elas persistem, apesar do deboche e da indiferença de tantos, que
chega a assustar. Elas perduram, apesar das siglas partidárias e da cegueira
conivente e conveniente, que só vê o que quer ver.
Os
tiros que mataram Marielle, no fim das contas, também saíram pela culatra. Porque
pessoas não são à prova de balas, mas ideias são. Pessoas podem ser caladas com
tiros; ideias não.
“Vocês têm balas e
a esperança de que, quando elas acabarem, eu não esteja mais de pé”, disse V, na sequência do diálogo que dá título a este
texto.
Marielle
Franco continua de pé. Agora é a sua voz quem vai falar através das muitas
vozes que ela representou.
Vozes
historicamente silenciadas, mas que não silenciarão mais.