A luz no fim do túnel
Estava eu na sala de espera do
dentista quando vi, na televisão, um trecho da entrevista de uma bailarina, que
comanda um projeto social na comunidade onde vive, uma favela do Rio de Janeiro.
Infelizmente, não pude memorizar seu nome e nem mesmo o de seu projeto, mas uma
frase que ela disse chamou a minha atenção: “O balé é a minha luz no fim do
túnel”.
Essa frase me bateu forte. Porque
esta menina, que não deve ter mais de 20 anos, é negra, pobre, moradora da
periferia, e com certeza já enfrentou, segue enfrentando e ainda enfrentará
verdadeiras batalhas para ser quem é e fazer o que faz. Sem o balé, seriam
grandes as possibilidades de que ela terminasse como tantas meninas iguais a
ela: grávida prematuramente, afastada da escola, sem emprego e com quase
nenhuma perspectiva.
Mas havia uma luz no fim do
túnel: o balé. É o balé quem dá sentido e sustento para todas as dificuldades
que encara; que a faz ficar em pé, resistir, não desistir. O balé a mantém
longe do crime, longe da maternidade precoce, longe das drogas e perto da arte,
da escola, da cultura, da comunidade que a abriga. O balé mudou tudo porque ele
é capaz de iluminar seu caminho e fazê-la seguir em segurança, sabendo onde pisa.
Todo mundo precisa de uma luz
no fim do túnel. Do mais rico ao mais pobre, homem, mulher, velho e jovem, não
há ninguém que consiga caminhar por uma estrada totalmente escura sem tropeçar,
se ferir e se perder. A luz no fim do túnel é necessária para guiar nossa
jornada, e quando não a encontramos, acabamos desorientados e tremendamente lascados.
Entretanto, há um detalhe
importante, que de maneira nenhuma pode ser ignorado, apesar de geralmente ser:
a tua luz no fim do túnel, amigo leitor, amiga leitora, não pode ser outra
pessoa. Filhos, marido, mulher, pai e mãe, irmão, amigo, ninguém merece a
ingrata missão de iluminar o teu caminho. Sem contar que é de um egoísmo perverso.
Porque cada um está tentando achar a sua própria luz no fim do túnel, e não tem
a menor condição de ser a luz de outro alguém.
Ademais, é muito perigoso.
Manter uma pessoa como a tua luz no fim do túnel implica em riscos consideráveis,
visto que esta pessoa pode simplesmente ir embora, com razão e com direito, e
te deixar na mais completa penumbra.
Essa luz precisa vir de algo maior
e mais forte. Veja que o balé não é uma pessoa, não é uma sigla, um partido e
nem uma instituição. O balé não pode abandoná-la, enganá-la, decepcioná-la. Ele
não tem nome e sobrenome, endereço, CPF, não é passível de erros humanos e
mundanos. O balé, para ela, é um modo de ser, ver e viver a vida; é um jeito de
existir e continuar.
É óbvio que ter a quem amar é
absolutamente fundamental. Filhos, marido, mulher, pai e mãe, irmão, amigo, são
de suma importância; são nossa base e nosso alicerce, nosso aconchego e nossa
força. No entanto, não podem ser responsabilizados pela nossa luz no fim do
túnel.
Porque esta luz não é quem. É o
quê.