Desaprendo

Ontem eu completei 33, e posso dizer que desaprendi muitas lições ao longo destas três décadas e três anos de vida.
Sim, eu desaprendi pra caramba, e sigo desaprendendo todos os dias. Sou grata por isso. Afinal, desaprender uma lição errada pode ser tão ou mais difícil do que aprender uma certa.
E convenhamos: ao longo dos anos nós aprendemos muitas lições equivocadas ou, no mínimo, duvidosas. Lições repetidas geração após geração, século após século, que buscam somente padronizar, moldar, acomodar, transformando o complexo em simplório, enfiando as pessoas em caixinhas rotuladas e minúsculas. Como se vendessem só um número de calçado. Quem tem o pé maior ou menor, que se aperte e se adapte.
Desaprender tais lições é tarefa árdua, pois haverá mil à tua direita julgando tuas decisões, e outros mil à tua esquerda contestando tua sanidade. Porém, sem desaprendê-las, seguiremos caminhando capengas, usando sapatos pequenos ou grandes demais, tornando a nossa jornada mais penosa e dolorida.
Logo, a primeira lição que desaprendi é que devo usar um sapato que não me serve. É ele quem deve caber em mim; e não eu nele. Parece óbvio e tolo, mas não vale só para sapatos. Vale basicamente para tudo o que existe.
Também desaprendi que devemos oferecer sempre a outra face. Aceitar as bofetadas é consentir com a violência tanto quanto esbofetear.
Desaprendi que a autoridade e o cliente têm sempre razão, e não podem ser questionados nunca. Podem, e no que depender de mim, serão.
Desaprendi que estar ao lado é o mesmo que estar junto. Só pode te bater quem pode te alcançar, e só pode te alcançar quem está perto de você. 
Desaprendi a querer que o outro seja feito à minha imagem e semelhança.
Desaprendi que preciso comer peru no natal, porco no réveillon, chocolate na páscoa e peixe na sexta-feira santa.
Desaprendi a repetir as mesmas frases que meu tataravô já repetia no século 18.
Desaprendi que é necessário plantar uma árvore, ter um filho e escrever um livro. Eu posso, mas só se eu quiser. O que eu quero não importa; isso eu também desaprendi.
Desaprendi sobre o valor das coisas: carro, roupa, celular, fone de ouvido, tela de 60 polegadas, potes de plástico. Não passam de objetos destituídos de qualquer poder capaz de me bastar.
Desaprendi a andar em bando para me proteger. Desaprendi que devo ter um partido, um time, um lado, uma bandeira; e pertencer a um grupo, idolatrar um símbolo, amar uma insígnia, crer em uma marca e em um senhor.
Somente desaprendendo o tanto de lições erradas que nos impuseram como verdades é que poderemos, de fato, aprender mais sobre quem somos, o que queremos, para onde vamos, onde estamos e de onde viemos; o que pretendemos. O que nos faz bem e o que nos faz mal.
São as respostas destas perguntas que nos levarão até aquela temida criatura, que vive em nossos recônditos mais distantes, refletida nos espelhos, nas vitrines e na TV desligada.
Essa pessoa é você, e o que ela diz importa.
De minha parte, só posso agradecer pelas três décadas e três anos desaprendendo sobre o que não serve pra mim, sejam sapatos, seja todo o resto. Buscando ouvir, em meio à gritaria do mundo, a voz mansa que fala aqui de dentro, sem cessar. Tentando decifrar se o que eu procuro é realmente o que eu quero encontrar.
Feliz desaniversário pra mim e boa desaprendizagem para todos nós.


assinado Jana.

Postagens mais visitadas deste blog

“Não vou acrescentar 2020 na minha idade. Nem usei”

Vale quanto paga

Não cobre o que você não dá