O cabresto da multidão
Quando decidi virar escritora
eu tinha uns 17 anos, e foi quando comecei a escrever meu primeiro livro. Naquela
época, minha ideia era atrair o maior número possível de leitores. Quanto mais,
melhor. Esta era a lógica, o óbvio, o único caminho. Somente assim eu poderia
me considerar uma escritora de verdade, pensava eu.
No entanto, hoje, se aparecesse
na minha frente o gênio da lâmpada e me dissesse: “quer ter milhares de
leitores agora?”, eu responderia com convicção: não, obrigada.
Porque há uma censura na massa
que me apavora. Quando a multidão se manifesta, através da voz coletiva também
conhecida como Opinião Pública, geralmente é com fúria e opressão, julgamento e
condenação, fanatismo e alucinação.
Eu acompanho alguns escritores
contemporâneos de relevância, com um número considerável de leitores e fãs, e
fico horrorizada com os comentários que leio nos textos que eles publicam na
internet. Agressão, ameaça, desrespeito, deboche, violência, é tudo comum.
Atacam o escritor como se ele fosse o inimigo público número um apenas por que
não concordam com uma de suas centenas de opiniões.
Se eu, que possuo meia dúzia de
leitores, às vezes sinto-me compelida pelo que escrevo, calcule o que acontece
com os autores ilustres! Eu também recebo comentários agressivos e
desnecessários, que em nada colaboram para um debate saudável, censurando e
condenando de maneira ofensiva e até assustadora. Agora imagina possuir uma procissão
de seguidores, te repreendendo, te reprimindo, te perseguindo, milhões de
reações, milhares de comentários, centenas de e-mails e mensagens e opiniões
que você não pediu, te cobrando, te xingando, enchendo o teu saco pra caralho.
Não, muito obrigada, mas eu
dispenso.
A fama, os holofotes, o
sucesso, cobram um preço, e eu particularmente acho muito caro. Porque chega
uma hora que você deixa de escrever o que quer por medo da represália pública –
que anda cada vez mais histérica, aliás. Não é o governo que te censura, não é
a mídia, não é o ditador. São os teus leitores, teus seguidores, teus “fãs”.
Quando escrevemos com medo da
reação do leitor escrevemos sob coação, e este é o início do fim do trabalho de
qualquer escritor.
Eu não tenho fãs, e não quero
fãs nem de graça. Porque no momento em que você deixa de escrever livremente, e
passa a se pautar pela opinião do consumidor, qual o sentido de escrever? Pra
dizer mais do mesmo? Pra atolar o mundo de caracteres inúteis, que só servem
para distrair e ocupar espaço? Se é pra dizer o que os outros querem ouvir, então
prefiro não dizer nada. Já tem gente demais reproduzindo clichês, eu posso me
dar ao luxo de ficar fora dessa.
O ódio da massa é censura
disfarçada de liberdade de expressão. Não quero colocar esta mordaça em minha
literatura. Não quero iniciar um texto e parar na metade porque ele está muito
agressivo, ou confuso, ou profundo, ou porque “com este vespeiro é melhor não
mexer”.
Eu quero mexer nos vespeiros
sem o cabresto da multidão. Tenho este direito. E se para isso terei de ficar
eternamente no anonimato, na obscuridade, longe dos microfones, palcos e
holofotes, aceito sem pestanejar.
Este preço eu posso pagar.
assinado Jana.