Minha avó é negra
Esta é uma frase
que costuma surpreender, e às vezes até chocar, quem a escuta, visto que sou
branca, loira, de olho azul. Mas, sim, minha avó é negra, assim como minha
bisavó. Eu poderia ter nascido negra. No entanto, minha bisavó e minha avó
tiveram filhos com homens brancos, e por um mero detalhe genético eu nasci
branca.
Obviamente não
sofro racismo. Nunca sofri, nunca sofrerei, e sinceramente não posso sequer
imaginar o que é ser discriminado e agredido por conta da quantidade de melanina
em sua pele.
Contudo, mesmo que
ninguém possa ver, o sangue que corre nas minhas veias é negro também. E dele
eu me orgulho muito, mais do que as palavras conseguem expressar.
Por isso, considero
a luta contra o racismo uma luta que me pertence. Afinal, minha avó e minha bisavó
experimentaram o gosto amargo do preconceito racial. Sofreram ofensas, abusos,
xingamentos, humilhações; foram violadas, negligenciadas, silenciadas.
Debocharam de seus cabelos, de suas roupas, de seus sorrisos, de suas peles, de
suas vidas; zombaram de sua cultura e de sua identidade. Sem dúvida nenhuma elas
sofreram e choraram sozinhas muitas e muitas noites.
Deste modo, eu luto
contra o racismo todos os dias, todo o tempo. Não por mim, que jamais sofri
deste mal cruel e desumano, ainda tão atual. Eu luto pelo sangue negro que
corre nas minhas veias, e por toda a dor que minha avó e minha bisavó vivenciaram,
e ainda vivenciam.
Mas sabe o que é
mais irônico? O sangue negro que corre nas minhas veias corre nas tuas veias,
leitor, e também nas veias de cada brasileiro racista que anda por aí, muito
orgulhoso da sua branquitude, ingenuamente acreditando que sua descendência é europeia
(risos).
O Brasil, como já
cantou lindamente Sandra de Sá, “tem sangue crioulo”. Somos filhos, netos,
bisnetos e tataranetos de negros, que sofreram de modo que nem podemos supor
toda a violência surda do racismo e da escravidão. Homens, mulheres, velhos e
crianças, negros: nossos antepassados, nossos ancestrais, nossa família. Sangue
do nosso sangue.
Precisamos lutar
por eles, e pelas suas chagas que seguem abertas, doendo, sangrando.
Então, por favor: pare
e observe onde reside o teu racismo. Seja de forma sutil ou severa, ele também
está em você. Destrua-o, elimine-o, mas não o mascare, fingindo que ele não
existe.
E se você não
quiser fazer isso pelos teus ancestrais, e nem pela minha avó ou pela minha bisavó,
então faça por ti.
Porque o sangue que
corre nas tuas veias, caro leitor, cara leitora, é sangue negro também.
assinado Jana.