Hoje, exatamente hoje, completo um ano em isolamento.
A
última vez que saí despreocupadamente de casa foi na noite de 17 de março de 2020,
quando fui ao centro espírita que frequentava – e que parei de frequentar
alguns meses depois, por discordar de sua reabertura ao público no que, até
então, era o auge da pandemia.
De lá
pra cá, nada de pilates, nada de bar, nada de festas, nada de amigos e família.
Aniversário, Natal, virada de ano, Carnaval: só eu e quem mora comigo. Cabelo
cortado em casa. Um ano sem abraçar minha avó. Um ano sem ver minha sobrinha. Saídas
rápidas e sempre paramentada apenas para ir ao mercado, ao banco ou a qualquer
lugar que eu tenha que ir porque preciso e não porque quero.
Olhando
em retrospectiva para quem eu era em 18 de março de 2020 e quem eu sou agora,
em 18 de março de 2021, posso dizer que me preocupa um pouco o quanto eu me
transformei.
Descobri,
para minha alegria, que sou capaz de tornar a distância entre o que eu falo e o
que eu faço bem pequena. Vi que exerço a empatia, que tanto defendo nas redes
sociais, lá fora, na vida real.
Em
contrapartida, meu coração se partiu tantas vezes que parei de contar em
setembro. Vi amigas e amigos queridos, pessoas que eu amo de verdade, por quem
sempre nutri enorme respeito e admiração, fazendo exatamente o oposto do que
diziam. Vi fotos na praia, no Natal e réveillon, no bar, viajando, no
aniversário da tia, da vó, do primo, na praça tomando chimarrão, aglomerados
por aí como se nada houvesse. E as desculpas, mais esfarrapadas que o pano de
chão daqui de casa? De fazer a gente lamentar não ser surdo.
Amigos
amados, defensores da ciência e da democracia, pregadores de empatia, que,
quando convidados a FAZER o que diziam, fracassaram vergonhosamente.
E olha
que nem estavam pedindo muito: era só ficar em casa, pelo amor de Deus! Sentar
a bunda no sofá e sossegar o rabo. Era só deixar passar UM Natal, UM
aniversário, UMA ida à praia, UM Carnaval. Mas para muita gente – para muita
gente que eu amo, inclusive – foi pedir demais. É como disse o poeta Sérgio
Vaz: “Se todo mundo que fala que é, fosse,
a gente não estaria nesta fossa”.
Vi o
que eu sentia por estas pessoas mudar e virar alguma coisa que não sei definir
ainda. Não que eu não as ame mais, longe disso, nem que pretenda cortar laços
nem nada assim. Só que quebrou um negócio aqui dentro, sabe? “Um troço qualquer
morreu”.
Nestes
365 dias, também não pude estar ao lado de outros tantos queridos, que perderam
seus queridos para a Covid. Não pude estar com a Ana e a Adri quando o André
partiu, tão jovem. Não pude estar com a Nilva, minha segunda mãe nesta Terra,
quando o tio Toni nos deixou. Não posso estar com meu irmão agora, que passa
por um momento complicado em sua vida. E nem com a minha melhor amiga, que
tanto precisou de mim recentemente, com seu pai adoecendo e sendo
hospitalizado. Consolei muitos amigos em luto por WhatsApp, saca? Mas vai lá fazer
jantinha com a galera, pular Carnaval na praia, beber com os amigos e brindar a
vida, filho da put@!
Neste
um ano em isolamento, as rupturas que vi surgir em mim parecem buracos escuros
e profundos. Perdi um pouco da fé no ser humano, de modo geral e também
específico – e o específico é infinitamente pior que o geral.
Neste
triste aniversário de um ano em isolamento, onde assisto meu país morrer abandonado
e sufocado, literal e literariamente; onde olho para o futuro e não enxergo
nada; eu sigo em casa, por mim e por ti, e escrevo. Ah, eu escrevo, porque
escrever não cura, mas alivia a ardência das feridas.
Nesta
pandemia, a literatura mais do que nunca foi minha religião, minha oração,
minha muleta, meu antidepressivo, minha terapia, a boia que manteve minha
cabeça fora d’água em meio ao oceano revolto. Tenho escrito muito. E tenho
publicado pouco, porque prefiro assim.
Se você
leu e se ofendeu com este texto, camarada, paciência. Não foi minha intenção,
porém nada posso fazer se serviu o chapéu.
Mas se você
leu e se identificou, me abraça virtualmente e receba todo meu amor e afeto.
Mesmo que eu não te conheça; mesmo que nossos caminhos nunca tenham se cruzado;
é por causa de pessoas como você que, apesar de perder a fé, ela ainda anda
comigo. Afinal, como cantou lindamente nosso querido Gil, a fé acompanha até
quem não tem fé.
Sigamos
em pé.